quarta-feira, janeiro 11, 2006

Hoje segue o primeiro episódio de outro conto ilustrado (as ilustrações começarão a sair no final deste mês..) ainda com o nome provisório de "O albatroz".

"O albatroz

Episódio I – A construção

Havia naquela noite uma espécie de azul inquietante no céu, e Alfredo havia já vencido definitivamente o apelo do sono diário. A janela aberta deixava entrar o ar a um tempo frio e suave, real. Os olhos abertos ou fechados traziam a mesma imagem e o sonho começou a ser construído com a decisão de uma partida. Alfredo saiu de casa ainda descalço e correu pela terra gelada e áspera até ao barracão.

De uma arca retirou, preciso, um caderno antigo cheio de esboços e anotações. A palavra voar repetia-se com a angústia de quem se sente agrilhoado, como se a gravidade fosse um assustador algoz de capuz negro. Ao longo de extensas linhas intercaladas com desenhos perfeitamente geométricos projectava-se a construção de um enorme planador. Nesta história não entram tios viajantes desaparecidos ou avós lunáticos, apenas Alfredo anos antes de se decidir por uma vida normal. Mas esta era para ele tão pesada… Amanhecer, sim! Agora com a decisão tomada é preciso fazer os preparativos.

O Sol trouxe consigo um sorriso para cada um dos vizinhos que encontrou e a quem ia dando as suas gordas galinhas poedeiras, a quem entregava a guarda da sua casa, o usufruto do seu verdejante e leguminoso quintal, o sumo fresco dos frutos do seu pequeno pomar…

Ficou apenas com Alice, a galinha poedeira mais velha e de quem era acima de tudo inseparável.

Nos dias seguintes, fechado no barracão, distribuindo marteladas, ais, esgares, suspiros e gritos de contentamento, provocou na vizinhança uma curiosidade que só os mais pequenos se atreviam a satisfazer. Subiam furtivos pelas árvores até às janelas cimeiras fazendo a partir daí relatos atabalhoados de formas estranhas, faíscas e seres monstruosos. A confusão do passa-palavra era tal que no ajuntamento que por turnos se ia mantendo por perto, a verdade se perdia num sentimento de angústia e curiosidade. Um dos mais velhos a dada altura, enlouquecido pelo silêncio que entretanto se abateu, chamou a si a coragem necessária para enfrentar um louco e bateu insistentemente à porta do barracão.

Ao cabo de algumas tentativas Alfredo surgiu ao chamado, de rosto exausto e fúnebre. Sujo e magro contemplou desanimado os rostos dos seus vizinhos manifestamente preocupados, e aceitou um pão e um frasco de mel com visível apetite. Fechou-se novamente com um sorriso amargo de agradecimento e voltaram à carga as violências acústicas do seu trabalho. Assim movido a pão e mel continuou a sua jornada contínua.

Na frente do seu barracão estava montada uma verdadeira infra estrutura para tornar confortável a estadia de quem por si velava, cadeiras, agasalhos, lâmpadas de azeite, um pequeno depósito com broas de milho, mel, frutas e vários garrafões de hidromel.

Trinta e dois dias depois a parede da frente do barracão começa a ceder e acordando progressivamente as gentes vizinhas e os visitantes de outras aldeias deu a conhecer a gigante e imponente construção aeronáutica…

À sua frente, de chapa reluzente, desenhava-se uma ave enorme de asas articuladas. De um profundo porão, por hora apenas emanava um vazio negrume. Um tímido par de rodas prometia aterragens forçadas mas servia para deslocar a enorme massa metálica estruturada por madeira. (fim do primeiro episódio)"

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